domingo, 12 de setembro de 2010
Metáforas de uma vida passiva
Por: Bráulia Ribeiro
Sentei-me na reunião de quinta com meu caderninho. Procurava comprovar uma preocupação que trouxera do Brasil. O campus de Kailua envia de trezentas a quinhentas pessoas em equipes missionárias de curto prazo para o mundo inteiro a cada trimestre. Jovens dirigem o louvor com solos de guitarra, pulos, vozes intimistas à moda Coldplay ou gritos primais em havaiano. Apesar do sabor internacional, da mistura de estilos, as letras não diferenciam das que cantávamos no Brasil na nossa igreja em Porto Velho. A maioria se refere às minhas emoções e a um Deus que me ama, salva, transforma, ampara, cura, trata, mima. Eu sou o centro de minhas adorações.
As palavras que usamos no dia-a-dia influenciam nosso comportamento. Palavras definem nossa relação com o universo e nossa expectativa pela vida. Se interpretamos de maneira mística ou meramente psicológica, o fato é que a linguagem tem uma função essencial em nossa existência.
No processo de nos fazer entendidos e tentar entender, criamos com as palavras figuras de linguagem. Usamos metáforas para compor imagens. Metáforas nos ajudam a criar padrões na linguagem, tecer realidades para explicar outras. Cada analogia nos leva a uma rede de referências. De acordo com James Geary, editor da coluna “Quotable Quotes”, da revista “Reader’s Digest”, e autor de um livro sobre metáforas, usamos seis metáforas por minuto, como um recurso corriqueiro na comunicação. Geary constatou por meio de um estudo que as metáforas influenciam nossas decisões.1 Pessoas se tornam mais propensas a uma decisão quando é estabelecido um determinado contexto, e metáforas criam o contexto das conversações.
No Brasil fiz uma análise textual de algumas músicas cristãs. Em quase todas o eu é soberano e central. Aqui procurei por metáforas. O que cantamos em nossos cultos, como nos vemos e como vemos ao Senhor? O que encontrei não me surpreendeu. O Senhor é doce, suave, meigo, uma brisa, um furacão, um abraço, um calor que me inunda, o abrigo que me protege, a mão que me ampara, um grande coração, aquele que me faz voar, aquele que chora por mim, que tem ciúmes de mim. Ele é também glória, majestade e beleza. É o Cordeiro com muito mais frequência do que é o Leão... Nenhum problema. O nosso Deus é mesmo tudo isto. Mas é também muito mais. Eu, por minha vez, sou frágil, estou abatido, magoado, ferido e cansado; sou um nada, preciso de proteção; estou sempre à beira do pecado, estou chorando, meu canto é um eterno lamento.
Vemos aqui um quadro triste no evangelicalismo atual. Embora verdadeiras, as imagens de um Deus extremamente meigo e dos seres humanos fragilizados, a quem ele serve, não nos contam toda a história. Produzem um estado mental angustiado e egocêntrico. Enquanto olho pra minha fragilidade, não ajudo o próximo. Enquanto fraco, nada vejo além do meu umbigo. Envolvido em meu romance celestial, esqueço meu destino terreal.
Nos anos 80, as músicas que produziram a minha geração missionária falavam de guerra, de exército, de conquista. Jesus era o Leão de Judá, o Senhor dos Exércitos, e eu, o soldado obediente à missão a qualquer preço. Pode-se argumentar que as metáforas daquela época produziram, quem sabe, o erro de uma missão arrogante, cega à realidade humana. As metáforas de hoje, no entanto, produzem uma passividade total. Enquanto canto àquele que me ama, sou uma árvore plantada no lugar de minha conveniência esperando que a brisa me refresque e o abrigo me proteja. Minha missão inexiste. Só nos resta esperar que James Geary esteja errado.
Nota
1. www.ted.com/talks/james_geary_metaphorically_speaking.html
• Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, Havaí, com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical (Editora Ultimato). braulia.ribeiro@uol.com.br
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