
Quero desdemonizar a angústia (advogo em causa própria). Admito, vez por outra meu peito aperta. Sinto uma chave-de-braço ao redor do pescoço, uma gravata do judô, um sufoco sem sentido. Especialistas afirmam que a verdadeira angústia dá a sensação de que a vida é semelhante a um corredor rugoso e estreito, que fere a pele interior e que que se afunila. Sinto isso. Meus horizontes se embotam em lágrimas confusas, os dias se esfumaçam em tédios e os sonhos se diluem em maus presságios.
Mesmo assim, procuro reconciliar-me com a angústia; sei quantas percepções, sensibilidades, valores e verdades são necessários para um coração angustiar-se. Somos feitos de sombras e luzes, desejos e medos, desesperos e sonhos. Só existe aflição porque um universo de complexidades habita dentro da gente.
Pagamos um preço alto para crescer em humanidade. Sim, a sabedoria cobra caro por suas lições. O simples não sofre. O tolo não questiona. O ingênuo não se aflige.
Não, não faço apologia do sofrimento – autocomiseração é uma forma de egoísmo. Não sou masoquista. Mas aquiesço, em meio ao enredamento de existir, ninguém evita a dor de viver. Machuca perceber a exiguidade dos anos, as condições inclementes dos miseráveis, o perigo de adoecer com câncer, a efemeridade dos relacionamentos, a incapacidade de controlar os acontecimentos.
Nosso primeiro medo veio com o primeiro fôlego. Nada mais angustiante que o dia do nascimento. O nosso derradeiro pavor? O suspiro final. Nada mais angustiante do que a ideia de inexistir. Nascemos e morremos na angústia. Entre os dois momentos, nos acompanhamos da ansiedade que restringe, do vazio que atormenta, da inadequação que comprime.
Devemos à senhora angústia, que merece deferência, os maiores avanços da humanidade. O que aconteceria a homens e mulheres se ela não existisse? De onde veio a genialidade de Vincent Van Gogh? Wolfgang Amadeus Mozart arrancou inspiração de que jeito? O que empurrou Martin Luther King Junior para a militância? Portanto, seria tontice tentar devolver-lhe a chave-de-braço. Não se esgana a angústia. Para viver não é necessário fazê-la sumir. Basta dar-lhe significado. É possível sorrir mesmo ralando em paredes mal rebocadas.
Concordo, certas angústias são destrutivas e não devem encontrar abrigo na alma: desesperos patológicos, que corroem; cinismos frios, que apodrecem valores éticos; depressões que amordaçam a alegria. Contudo, a possibilidade de ser feliz se equilíbra na corda bamba que sustenta, ao mesmo tempo, desalento e esperança.
Ricardo Gondim
Extraido de http://www.ricardogondim.com.br
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